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Uma das ex-beneficiadas pelo auxílio de R$ 200 a R$ 500, que atendia 18 mil famílias em Belém, é Rosilene Braga Pinheiro, de 42 anos. Na casa dela, há três contas de energia elétrica em atraso. A venda de garrafões de água mineral está parada, sem dinheiro para investir.
Sem energia, Rosilene é mãe de quatro filhos e vive no escuro – dentro de casa e também nas perspectivas para o futuro. Atualmente está contando com ajuda de vizinhos. O sustento vem de diárias como faxineira ou cuidadora de crianças, que rendem entre R$ 50 e R$ 100 por serviço. No fim do mês, quando consegue trabalho, junta cerca de R$ 600 para o sustento da família.
A vida de mãe solo se repete em muitos lares paraenses. Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), são cerca de 1,4 milhão de famílias chefiadas por mulheres e que exercem a função de mãe e pai no Pará.
Realizado entre outubro e dezembro de 2024, o estudo do Dieese constatou que um total de 1.389 milhões de casas eram comandadas por mulheres no período – o número representa 48,91% de 2,8 milhões de domicílios no estado. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A realidade de muitos desses lares é o enfrentamento diário da falta de oportunidades de trabalho para mulheres e também de creches para deixar os filhos enquanto trabalham.
No caso de Rosilene, apenas um dos quatro filhos dela, o Kayke, de 17 anos, vive com ela de aluguel, no bairro do Jurunas, na periferia de Belém. Os outros três, ela disse que precisou deixar com os pais ou familiares, na tentativa de garantir o mínimo que ela busca oferecer: comida, cuidado e dignidade.
“Já passei fome e não queria que eles passassem por isso, mas não sei o que fazer no momento. Por isso entreguei um pra cada pai. Estão distantes, mas foi o que eu pude fazer por eles”, conta.
Rosilene e o filho Kayke vivem no bairro do Jurunas, na periferia de Belém. Ela sem emprego formal e ele cursando escola em tempo integral, sonhando um dia ser jogador profissional de futebol. — Foto: Taymã Carneiro / g1
O mercado de trabalho também é uma grande barreira para Rosilene, que relembra não ter tido oportunidades de estudar. Sem saber escrever nem o próprio nome, ela opta por dobrar o esforço para garantir que o filho tenha uma vida diferente.
Kayke estuda em um colégio de tempo integral e sonha ser jogador de futebol. Quando pode, Rosilene compra uma chuteira, uma meia nova, um lanche especial para auxiliar nos objetivos do filho.
“Ele agora pode sonhar. Eu não pude, pois só pensava em sobreviver”, diz.
Dificuldades de uma mãe atípica
A cerca de 10 quilômetros de Rosilene, no bairro do Benguí, Selene Ferreira Matni, de 33 anos, vive uma rotina corrida com os estudos e cuidados com os filhos. São três – de 12, 5 e 4 anos – que moram com ela e a mãe. A renda da casa depende do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que a filha de cinco anos recebe por ser neuroatípica com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Selene é bolsista de um curso de biomedicina, onde parte consegue pagar com o Fundo de Financiamento ao Estudantil (Fies).
“Pensei logo em me profissionalizar para ajudar eles tanto financeiramente quanto poder usar meus conhecimentos em saúde com eles”, diz.
Selene e a filha, de 5 anos, que recebe o BPC — Foto: Arquivo pessoal
O acesso ao estudo passou a ser um privilégio dela, já que os filhos atípicos não conseguem vagas em creches públicas por falta de profissionais competentes para acompanhá-los. Ela precisou travar uma batalha na justiça para garantir o direito à educação deles, que, apesar da decisão favorável, não conseguiu as vagas até então.
“Sempre diziam que não tinha mais vaga quando descobriam que eles eram crianças atípicas. Tive que pagar escola particular, mesmo com dificuldades”, relata.
A falta de tempo para trabalhar, o preconceito, e a ausência de políticas públicas e de acolhimento a sobrecarregam. “As pessoas me perguntam: ‘Como tu vai trabalhar se tu não tem tempo pra isso? E eu sinceramente não tenho uma resposta, mas não vou desistir”, desabafa.
Os outros filhos de Selene, de 5 e 12 anos — Foto: Arquivo pessoal
Fim de benefício social se tornou mais uma preocupação
Até este mês de maio, ambas as mães fazem parte do grupo de 18 mil famílias atendidas pelo “Bora Belém”, programa de transferência de renda criado em 2021 que foi extinto este ano por um projeto de lei aprovado na Câmara Municipal de Belém e sancionado pelo prefeito Igor Normando (MDB). O benefício variava entre R$ 200 e R$ 500, de acordo com a composição familiar.
A Câmara Municipal de Belém (CMB) promulgou a revogação do programa “Bora Belém”, com sanção assinada pelo vereador Zezinho Lima (PL), 4º vice-presidente da Câmara e autor do projeto de lei que propôs o fim do programa.
A Lei nº 10.146, que extinguiu o Bora Belém, determina que a Fundação Papa João XXIII (Funpapa) deve comunicar a todos os beneficiários sobre o encerramento do benefício.
Segundo o texto, os recursos destinados ao pagamento do programa devem retornar ao Fundo Municipal de Assistência Social e a outros fundos públicos.
Programa ‘Bora Belém’ acaba neste mês de maio. — Foto: Divulgação
Com a falta de mais este recurso, a Selene e Rosilene, agora, procuram outros meios para sobreviver e aguardam novas políticas que atendam as famílias de baixa renda.
“Nos chamam de nomes terríveis por precisarmos de benefícios, mas aí não nos dão emprego, não tem vaga em creche para os nossos filhos, não podemos deixar os filhos em casa. O que fazer, então?”, reflete Selene.
À época da extinção do programa, a prefeitura de Belém disse em nota que, como o Projeto de Lei entra em vigor apenas após 30 dias da publicação no Diário Oficial, o pagamento do benefício de abril será efetivado normalmente no início de maio.
A gestão municipal disse ainda que a população em vulnerabilidade social, que faz parte do programa, será atendida por novas ações que deverão ser apresentadas em breve.
Edição de 16/05/2023 – Profissão Repórter: as histórias e os desafios de mães solo