‘É desenergizante’: parlamentares mulheres relatam machismo diário no Congresso, de interrupções a ameaças

Um dos senadores chegou a dizer que era preciso separar a mulher da ministra, porque “a mulher merecia respeito, mas a ministra, não”.

Senador Marcos Rogério (PL-RO) disse na sessão que Marina Silva deveria ‘se pôr no seu lugar’ — Foto: GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

‘É uma violência velada’

A deputada Delegada Katarina (PSD-SE) diz que o machismo no Congresso opera muitas vezes de forma sutil, mas poderosa.

“É uma violência velada, que tenta minar as nossas forças e nos desestimular a estar ali. Aquela que se impõe, acaba sofrendo mais, mas temos que reagir.”

Na ocasião, aliados do governo e do ex-presidente Jair Bolsonaro começaram a discutir, a ponto de inviabilizar a sessão, e ignoraram o apelo da deputada para voltarem ao silêncio.

“Eu queria muito acreditar que se fosse um homem ali seria a mesma coisa”, diz a parlamentar.

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Atualmente, apenas 18% das cadeiras da Câmara são ocupadas por mulheres — 99 entre os 555 nomes que compõem a legislatura, considerando titulares e suplentes.

No Senado, são 16 mulheres entre 81 senadores (19,75%). Isso contrasta com os 51,5% da população brasileira que é feminina, segundo o IBGE.

‘Já fui agredida fisicamente’

Com 34 anos de mandato, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirma que já enfrentou agressões físicas e ameaças dentro do Congresso.

“É desenergizante. Esse tipo de violência desgasta nossa energia, que deveria estar sendo gasta com a política. A violência de gênero sempre existiu, mas antes não era nomeada.”

Em uma sessão recente da Comissão de Cultura, Jandira foi ameaçada pelo deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), que afirmou que, fora do parlamento, bastaria “prender ou atirar” em quem discordasse.

Ela também relatou que projetos com a palavra “gênero” sofrem rejeição automática:

“Nem mesmo quando se trata de ‘gênero alimentício’. Eles não aceitam nem o vocabulário.”

‘Querem nos desqualificar’

A deputada Rosana Valle (PL-SP) afirma que já foi descredibilizada por colegas em reuniões da Comissão de Viação e Transportes, por ser mulher em um ambiente tradicionalmente masculino.

“Às vezes não vem com grito, mas com desdém. Interrupções, explicações desnecessárias, tentativas de desqualificar o que acabamos de falar.”

Ela defende cotas temporárias para mulheres, inclusive na ocupação de cadeiras no Congresso, e não apenas na disputa eleitoral.

“Nós queremos ser eleitas pela nossa capacidade, mas o ambiente precisa deixar isso possível.”

Lugar simbólico

A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) menciona que durante eventos parlamentares, organizadores já pediram que ela cedesse o lugar para um homem. As situações ocorriam mesmo quando a paraibana ocupava cargos mais elevados.

“Eu respondo ‘não vou me levantar’, sou incisiva. Mas, perdemos o debate do evento, ficamos nos questionando o motivo da interrupção. ‘Por que só com a mulher?’”, questiona a senadora.

A paraibana, que presidiu a Comissão Mista Orçamentária, conta que também sofreu machismo quando relatou, durante o governo Bolsonaro, um projeto que mudava a outorga de concessões na telecomunicação.

“Um dia depois que fiz o discurso da sanção da PL, em reunião na Residência Oficial, um general do Bolsonaro me cumprimentou e falou que a esposa dele havia perguntado quem eu era, e ele teve que responder que eu era uma assessora, porque senão daria ‘problema em casa’”, comenta.

A parlamentar ainda completa, “para mim, ele destratou tanto o cargo de assessora, quanto a minha função legislativa. Foi a maior grosseria, é indignante, precisamos falar muito mais sobre isso”.

‘Incômodo por ser contestado por uma mulher’

A senadora Teresa Leitão (PT-PE) diz que não presenciou episódios explícitos no Senado, mas percebe um incômodo visível de colegas ao serem contestados por mulheres.

“A política, para os homens, é naturalizada. O espaço público é o último que conquistamos ao longo da história. Não podemos retroceder.”

Ela também defende que o Senado avance em medidas estruturantes para fortalecer candidaturas femininas, como cotas de cadeiras e mais tempo de TV.

Denúncias de violência política de gênero

Desde 2013, a Secretaria da Mulher da Câmara recebeu 86 denúncias formais de violência política de gênero — interrupções, ameaças, constrangimentos, racismo, representação por decoro e até adesivos sexistas.

  • 2021: 8 casos
  • 2022: 15 casos
  • 2023: 22 casos
  • 2024: 23 casos (recorde)
  • 2025: 3 registros até abril

A partir de 2021, a criação de uma lei específica contra violência política de gênero permitiu que os casos fossem formalmente denunciados. A lei prevê pena de 1 a 4 anos de prisão e multa, além da proibição de propaganda eleitoral que deprecie a condição da mulher.

Ataques a Marina no Senado

Senador Marcos Rogério (PL-RO) disse na sessão que Marina Silva deveria ‘se pôr no seu lugar’ — Foto: GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

Em uma audiência no Senado nesta semana, a ministra Marina Silva foi interrompida diversas vezes pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), que cortou seu microfone e disse: “ponha-se no seu lugar”.

Rogério já havia cortado o microfone de Marina várias vezes antes, impedindo-a de falar, e ironizou as queixas dela.

A ministra respondeu dizendo que ele gostaria que ela “fosse uma mulher submissa”. “E eu não sou”, completou Marina.

Logo depois, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que a ministra merecia críticas, mas “a mulher, respeito”. Em março, o mesmo senador já havia dito, em evento público, que tinha “vontade de enforcar Marina Silva”.

“Sou uma mulher de luta e de paz. Mas nunca vou abrir mão da luta”, reagiu Marina.

“Quem brinca com a vida dos outros ou ameaça por diversão é psicopata.”

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