A possibilidade de associações descontarem mensalidades direto nos benefícios do INSS existe desde 1994. Pelas regras, elas só podem fazer descontos se o beneficiário autorizar.
Para evitar descontos indevidos, uma série de normas editadas entre 2019 e 2022 pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) e pelo Congresso obrigou a revalidação periódica dessas autorizações (leia mais abaixo).
Isso, entretanto, nunca foi posto em prática – nem no atual governo, nem no anterior, segundo Gilberto Waller Júnior, atual presidente do INSS, que assumiu após o escândalo dos descontos não autorizados nos benefícios de milhões de beneficiários.
“Nunca foi feita essa revalidação. Nunca foi feita essa verificação se o que estava sendo descontado era verdadeiro ou não”, afirmou Waller Júnior ao g1. “Desde 1994, nunca foram analisados esses vínculos [entre as associações e os beneficiários]. O INSS nunca recebeu esses documentos. O INSS nunca teve a preocupação de revisar os seus procedimentos. [Com] isso, provavelmente fraudadores perceberam a fragilidade do sistema e aproveitaram para fazer acordo de cooperação com empresas fantasmas e ali, de monte, incluindo descontos indevidos”, disse o presidente do INSS.
Ocupante do cargo entre janeiro de 2020 e novembro de 2021, Leonardo Rolim afirma que chegou a fazer um piloto da revalidação com as entidades que mais tinham reclamações à época.
A medida, porém, não foi para frente.
“Com a Lei nº 14.131/2021, em virtude da pandemia da Covid-19, a revalidação foi prorrogada para ser efetuada até 31 de dezembro de 2022”, afirma Rolim. “Porém, com a Lei nº 14.131/2021, em virtude da pandemia da Covid-19, a revalidação foi prorrogada para ser efetuada até 31 de dezembro de 2022. Depois disso, a Lei nº 14.438/2022 acabou com a obrigatoriedade da revalidação, mas o mandamento da revalidação previsto no Decreto nº 10.410/2020 não foi revogado.” (leia, abaixo, sobre a série de normas que trataram do assunto).
Revalidação de descontos foi tratada em série de normas desde 2019
A primeira norma a obrigar a revalidação foi uma medida provisória, a 871/2019, assinada por Jair Bolsonaro (PL) naquele ano.
Esse texto incluiu na lei que trata dos benefícios do INSS (a 8.213/1991) a determinação de que a revalidação acontecesse anualmente, sem dizer quando deveria começar.
Ao transformar a medida provisória na lei 13.846/2019, entretanto, o Congresso ampliou esse prazo para três anos, e estabeleceu que ele começaria a contar em 31 de dezembro de 2021. A mudança foi sancionada pelo então presidente.
Em junho de 2020, além dessa lei, Bolsonaro assinou um decreto (o 10.410/2020) que previa a mesma coisa: revalidação a cada 3 anos, a partir de 31 de dezembro de 2021.
Em março de 2021, o Congresso aprovou e o então presidente sancionou uma nova lei (a 14.131/2021), a partir de uma outra medida provisória de Bolsonaro (a 1.006/2020), e mudou o trecho da lei que falava sobre revalidação.
Com essa mudança, na lei dos benefícios do INSS, o início do prazo de revalidação passou para 31 de dezembro para 2022, prorrogável por mais um ano. A norma, porém, não revogou o decreto que previa que a revalidação começasse em 2021 (leia mais sobre essa divergência abaixo).
Por fim, em 2022, o Congresso aprovou uma nova lei (a 14.438/2022), também a partir de uma MP que tratava de outro assunto, que eliminou, da lei dos benefícios do INSS, a exigência de revalidação. De novo, o decreto que previa a revalidação a partir de 2021 não foi revogado.
Advogados: situação abre margem para interpretações divergentes
Para Gilberto Waller Júnior, atual presidente do INSS, a exigência da revalidação foi extinta nesse vaivém de normas.
“Com a questão do revalida, foi inicialmente pensado em um ano, depois mudou para três e de repente extinguiram“, disse ao g1.
Leonardo Rolim, ex-presidente do INSS, entende que a obrigatoriedade da revalidação não foi revogada, uma vez que o decreto de Bolsonaro de 2020 segue vigente. Mas pondera que pode ter havido uma avaliação, no INSS, de que a retirada da obrigatoriedade da lei levou a uma revogação tácita do decreto – ou seja, embora ele siga em vigor, não teria efeito.
Advogados ouvidos pelo g1 avaliam que a situação abre margem para interpretações divergentes.
“Quando se tem o que a gente chama de antinomia jurídica, uma norma contrariando a outra, existe a interpretação dos dois lados e é óbvio que o INSS vai interpretar do lado mais favorável [e não fazer a revalidação]”, diz Arthur Rollo, doutor em Direito e Especialista em Direito Público.
Wallace Corbo, advogado especializado em Direito Constitucional, considera que, como o decreto não foi revogado e a lei não proíbe a revalidação, ela poderia ser feita. Mas, se alguém se sentisse prejudicado – por exemplo, uma associação que perdesse o direito de fazer um desconto e um associado -, poderia questionar.
“A princípio, se a revalidação não é prevista na lei, aquele que for prejudicado pode alegar que essa exigência do decreto foi revogada. Da mesma forma, pode-se entender que o decreto apenas mantém uma exigência que, não sendo proibida pela lei, é justificável”, afirma.