Incomodado com esse acesso excludente, Alex decidiu em 2014, então cursando o segundo ano da graduação de Design de Moda, fazer um projeto que pudesse incluir outras pessoas que, assim como ele, enfrentavam barreiras sociais e financeiras para entrar no universo fashion.
Em parceria com Nilson, ele começou o “Periferia Inventando Moda”, ou PIM, em Paraisópolis: um projeto social que oferece, na segunda maior favela de São Paulo, oficinas de passarela, maquiagem e fotografia para jovens da periferia.
Nilson Rodrigues e Alex Santos, fundadores do Periferia Inventando Moda e da UniPIM — Foto: Fábio Tito/G1
Em novembro de 2017, o PIM atravessou as fronteiras da Zona Sul ao levar 30 alunos do curso de passarela para participar de um evento cultural da Universidade de São Paulo (USP).
Impressionada com a qualificação dos modelos, a professora Clotilde Perez, chefe do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da USP, ofereceu uma bolsa de pós-graduação a todos eles.
A proposta, embora bem-intencionada, não deu muito certo. Apenas um dos participantes tinha ensino superior completo, exigência para quem quer cursar uma especialização na universidade.
Do choque de realidade nasceu uma parceria, e o projeto social virou, em março deste ano, uma escola de moda certificada pela USP. O projeto ganhou um prefixo no nome – passou a se chamar UniPIM – e oferece cursos de extensão gratuitos sobre temas como consumo e construção da marca, por exemplo, para qualificar principalmente os jovens que desejam empreender no universo da moda.
A diretriz dos idealizadores e da USP é dar o conhecimento teórico, mas acima de tudo preparar os estudantes para o mercado de trabalho.
“Não é porque é na periferia que fazemos beneficência, é inclusão social. Por isso, temos que oferecer o melhor, para que essas pessoas possam competir igualmente com quem teve outras oportunidades”, diz Nilson.
Para atingir esse objetivo a Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda (ABEPEM) cuida da parte pedagógica, enquanto a USP fica responsável pela área acadêmica. A intenção é transformar as oficinas em uma graduação pública em 2019.
O projeto só faz sentido, de acordo com Clotilde, se os conteúdos e formatos se adequarem à realidade da periferia. Ela conta que primeiro passo para isso foi dado quando a USP se deslocou até Paraisópolis, e não o contrário.
“É uma oportunidade para a USP dialogar com a comunidade, alimentando o ensino e as nossas pesquisas. Isso é importante para a universidade não se desconectar do mundo”, ela lembra. O maior desafio, conta, é pensar em uma seleção que não exclua os próprios jovens da periferia, como acontece com a Fuvest, prova de vestibular para ingressar na USP.
Clotilde Peres, chefe do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da USP — Foto: Fábio Tito/G1
Empoderar e transformar
Empoderar e transformar são as palavras de ordem para Alex, que considera o PIM e a UniPIM caminhos para que as pessoas da periferia se fortaleçam e reafirmem suas identidades.
“Não é porque a pessoa é da periferia que ela não pode usar ou pensar peças de alta costura, nós temos que quebrar esse estereótipo.”
Letícia Cortes tem uma marca de roupas e é aluna do PIM e da UniPIM — Foto: Fábio Tito/G1
A estilista Letícia Cortes viu no projeto um caminho para a consolidação da sua marca de roupas, a Afrontosa. A marca surgiu em 2016, quando ela estava no processo de aceitar sua identidade de mulher negra – estava parando de fazer químicas para alisar o cabelo, por exemplo. Ela entrou no PIM no mesmo ano.
A USP parecia uma realidade muito distante, assim como qualquer outra graduação em moda. A chegada da UniPIM fez com que ela visse um caminho concreto para atingir o projeto de empoderar outras mulheres da periferia com o seu negócio. “Acho de grande importância para gente daqui da periferia trazer essa questão acadêmica no mundo fashion, eu amei a proposta”, diz.
Alan Jesus é modelo e sonha em ter uma marca de roupas de hip-hop — Foto: Fábio Tito/G1
O processo também tem sido transformador para Alan, de 18 anos, que se inspirou nos colegas do PIM no processo de autoaceitação. “Cheguei aqui com o cabelo curto, aí comecei a ver o pessoal todo diferente e deixei meu black crescer”, conta.
Agora, com a UniPIM, sente que irá aprender o que precisa para começar uma marca de roupas de hip-hop. Ele quer levar para a periferia o estilo das “roupas de fora, gringas”. É o cenário perfeito para quem, por muito tempo, por falta de dinheiro e de acesso, havia desistido de tentar a carreira em moda.
As oficinas da UniPIM estão acontecendo uma vez por mês, no CEU Paraisópolis, e pessoas de todas as periferias de São Paulo são bem vindas. Para fazer as inscrições basta acessar o site da escola.
* Com supervisão de Paulo Guilherme e Lívia Machado