Temos 49% ou 56% dos alunos do 2º ano alfabetizados? Entenda a polêmica dos números omitidos e, agora, revelados

No evento, transmitido ao vivo pelo Youtube, Manuel Palácios, presidente do Inep, apresentou argumentos para justificar por que, até aquele momento, ainda não haviam sido divulgados os desempenhos das crianças do 2º ano no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

É a principal avaliação escolar do país, bancada com recursos públicos. Todos os demais índices dessa prova, relativos a alunos do 5º e do 9º ano, foram disponibilizados em agosto de 2024.

➡️Enquanto os dados de alfabetização do Saeb ficaram “escondidos” durante 8 meses, o governo Lula comemorou publicamente os resultados de um instrumento criado pela própria pasta na atual gestão: o Criança Alfabetizada. Os números, comunicados em 31 de maio de 2024, a partir de avaliações estaduais, mostraram que 56% das crianças estavam alfabetizadas (porcentagem que, em teoria, revelava uma recuperação da aprendizagem no pós-pandemia).

✏️Seria um índice igual ao que ficou “escondido” no Saeb? Não. Nos dados finalmente divulgados pelo Inep nesta quinta-feira, após intensa pressão de parlamentares e de provocação do Tribunal de Contas da União, o resultado ficou abaixo daquele “festejado” pelo MEC: 49%.

Em alguns estados, a diferença foi mais gritante: no Maranhão, o Criança Alfabetizada apontou que 56% dos alunos de 7-8 anos estavam alfabetizados; já o Saeb, 31%, com margem de erro de 5,9 pontos percentuais.

“É preciso que se diga que a avaliação censitária [feita por estados] é parte de políticas de incentivos e mobiliza mais as escolas. Era previsível que houvesse desempenho um pouco acima [do Saeb]”, disse Palácios, na coletiva de imprensa.

  • De fato, os resultados das avaliações estaduais são usados para distribuição de recursos públicos e de bônus por alcance de metas.

🔎Por que os dados do Saeb ficaram escondidos por meses e só foram revelados diante de uma pressão externa?

Um ofício assinado por Palácios, revelado pela Folha de S.Paulo em 27 de março, mostra que o presidente do Inep orientou expressamente que fossem divulgados os microdados do Saeb apenas do 5º e do 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio. As informações sobre alfabetização do 2º ano, portanto, ficariam “escondidas”.

➡️Em 3 de abril, depois de uma intensa pressão política, o MEC determinou que o Inep divulgasse, sim, os números relativos a essas crianças. Foi quando Palácios apresentou argumentos para justificar o fato de os números não terem sido revelados antes:

  • processo de definição dos padrões de desempenho (quais faixas de nota seriam definidas como abaixo do básico, básico, adequado e avançado);
  • limitações na amostra da alfabetização.

“A nossa intenção era devolver os resultados do Saeb 23 já com a distribuição do alunado das diferentes redes por padrão de desempenho”, disse o presidente do Inep.

Ernesto Martins Faria, diretor-executivo do Iede e especialista em avaliação de políticas públicas educacionais, afirma que essas explicações precisam ser mais detalhadas.

“Foi importante que o Inep tenha caminhado para o modelo de transparência agora e finalmente divulgado os microdados do Saeb. Mas [o instituto] precisa ter um papel mais forte: quais foram os problemas amostrais? É estranho, com o aparato que o Inep tem, não conseguir garantir uma amostragem razoável”, afirma.

Quais as diferenças entre o Saeb e o Criança Alfabetizada?

  • Prova de português e de matemática feita por alunos do 2º, 5º e 9º ano do ensino fundamental e por estudantes do 3º do ensino médio.
  • Avaliação feita em uma amostra de escolas, a partir de um conjunto que representa toda a realidade do município.
  • Índice criado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2024, focando nos alunos do 2º ano.
  • Calculado com base em avaliações estaduais de 2023, censitárias (aplicadas para todos os alunos). O Inep forneceu 20 questões de seu banco de perguntas para ajudar na parametrização de dificuldade. O resto foi definido por cada estado, com total independência.
  • Obs.: Acre, Roraima e Distrito Federal não participaram.

“Precisamos de mais informações para entender qual dos dois dados é mais confiável. Um argumento a favor do Criança Alfabetizada é que, de fato, há maior engajamento das redes de ensino, que não costumam ser responsabilizadas pelo Saeb”, diz Ernesto.

“Por outro lado, são avaliações diferentes em cada estado. É um desafio garantir que sejam compatíveis. Um aplicador pode ser mais rígido em um local do que em outro. A mediação do professor durante a prova também pode alterar os resultados.”

Um caminho, segundo o presidente do Iede, é fazer um cruzamento dos dados de escolas que fizeram tanto o Saeb quanto o Criança Alfabetizada. Para isso, o Inep precisa liberar os microdados deste último programa.

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