➡️São estratégias de proteção adotadas por alunos internacionais que, mesmo em situação legal nos Estados Unidos, querem garantir a oportunidade de se formar e de trabalhar no país. Em relatos à reportagem, eles contaram também que:
- apagaram seus perfis em redes sociais;
- fizeram uma “limpa” em posts antigos ou em grupos de Whatsapp;
- deixaram de participar de atividades extracurriculares (como jornais do campus);
- evitaram comparecer a protestos;
- desistiram de viajar ao país de origem nas férias.
“É uma política partidária e ideológica de criar esse sentimento de medo para que os estudantes se calem. Ainda que não sejam ameaças individuais, é bom para o governo que a gente fique em silêncio”, diz ao g1 Núbia*, aluna brasileira da Universidade Harvard.
🖋️Na última campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump já havia exposto qual seria sua postura em relação a alunos estrangeiros: fez críticas ao programa de vistos estudantis, defendeu o monitoramento ideológico do grupo e prometeu “limpar universidades de espiões” vindos de outros países.
Desde janeiro, quando assumiu o posto, o republicano colocou em prática essa conduta:
Diego Scardone, vice-presidente da Harvard Brazilian Association (HBASS), conta que, de todos os casos que já chegaram até ele, os mais preocupantes são os de alunos recém-aprovados na universidade, que sequer conseguiram entrar nos EUA ainda.
“Eles comprometeram 90 mil dólares por ano para pagar a graduação, deram sinal de dois meses de aluguel em dólar, compraram passagem, mas não vão conseguir o visto? Isso é um absurdo. Estudantes estão sendo utilizados para fins políticos”, diz.
Abaixo, conheça outras histórias de quem teve a rotina alterada pelo medo:
🔴‘Eu ia ontem visitar minha família, mas cancelei a passagem para o Brasil’
Núbia*, aluna da graduação em Harvard, desistiu de viajar ao Brasil e cancelou a passagem aérea que havia comprado. “A cada semana, a gente tem uma notícia diferente. Hoje, meu status é legal, mas amanhã, talvez eu não possa mais ficar nos EUA. A orientação que recebi foi a de não sair do país, a não ser em urgências. Podem derrubar a liminar [que garantiu a permanência de estrangeiros em Harvard] e negar minha volta na fronteira”, diz.
Essa incerteza, segundo Núbia, chega a afetar seu desempenho no curso.
“A ansiedade e o estresse aumentaram muito; não tem como não prejudicar o rendimento acadêmico. Não dá nem para saber se conseguirei fazer meu último ano da faculdade ou se precisarei ter um plano B e voltar ao Brasil”, afirma.
🔴‘Já levei minhas coisas mais importantes para o Brasil’
O brasileiro Carlos*, pesquisador-visitante em Harvard, pegou um avião para Oxford, na Inglaterra, onde defenderia sua tese de doutorado. A caminho do aeroporto, viu a notícia sobre as restrições de Trump a alunos internacionais.
“Subi no avião sem saber se iria voltar aos Estados Unidos”, conta.
Na última visita ao Brasil, neste ano, Carlos trouxe seus aparelhos eletrônicos (exceto computador e celular) e sua bicicleta para, caso perca o visto, já tenha a maior parte de seus bens materiais no país.
“A gente tem medo. Não faço qualquer comentário sobre política americana nas redes e já revi tudo o que postei para ver se falei algo de Israel. Também saí de grupos de Whatsapp em que meus amigos discutiam política”, relata.
A também brasileira Renata Prôa, aluna do mestrado em Harvard e do doutorado em Columbia, chegou a trabalhar como “embaixadora de mídia social” da primeira universidade. “Eu postava muitos conteúdos da instituição no Instagram. Mas foi bem doido: em certo momento, Harvard me falou: ‘feche suas redes sociais, porque é perigoso’. Loucura”, diz.
Renata aceitou ser identificada pela reportagem — Foto: Arquivo pessoal
🔴‘Todo mundo fica com medo de sair de casa’
Vídeo mostra imigração prendendo estudante nos EUA
Um episódio específico aumentou a sensação de insegurança de Carlos e de outros estudantes estrangeiros: em março, a aluna turca Rumeysa Ozturk, de 30 anos, foi levada sob custódia pelas autoridades de imigração dos EUA, após manifestar apoio aos palestinos (veja o vídeo acima). Ela ficou 45 dias presa e só deixou o centro de detenção em 9 de maio.
“Quando algo assim acontece, todo mundo fica com medo de sair de casa. Ninguém mais vai para nenhum protesto”, afirma Carlos.
Scardone, mencionado no início da reportagem, conta que a comunidade brasileira de Harvard havia organizado em março uma espécie de carnaval em Boston.
“Foi uma semana depois da prisão da turca. A festa ficou totalmente vazia. Pessoal achou extremamente perigoso sair de casa”, diz.
🔴‘Quem deu apoio a movimentos sociais nas redes teve o visto revogado’
Mei Ling*, da China, é aluna da Universidade de Boston. Ela diz que, como seu país é considerado “hostil” pelo governo Trump, apagou todas as redes sociais e evitou qualquer relação com órgãos oficiais, como ligações de denúncia ou infrações de trânsito.
“Embora o governo não tenha fornecido explicações claras, observamos que muitos dos estudantes estrangeiros que perderam o visto tinham em comum algum tipo de registro com a polícia — seja uma ligação para o 911 ou uma ocorrência leve. Os que demonstraram apoio a movimentos sociais nas redes também tiveram o visto revogado”, conta Ling.
Segundo ela, os estudantes temem que suas “curtidas” e compartilhamentos de posts nas redes sociais sejam monitorados pelo governo. “Qualquer manifestação inadequada pode resultar em sanções ou cancelamento de vistos”, afirma.
* Os nomes dos entrevistados foram trocados a pedido deles.
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