♬ Se quisesse, Zé Ibarra poderia se transformar no jovem cantor preferido do público que cresceu ouvindo Milton Nascimento e Caetano Veloso, entre outros ídolos da MPB. Tanto que o artista carioca de 28 anos conquistou admiradores fervorosos na plateia de Bituca com os números solos que fez nas duas últimas turnês de Milton. Mas Zé Ibarra se desvia corajosamente dessa rota no movimento inusitado do segundo álbum solo, Afim, programado para ser lançado na próxima quinta-feira, 5 de junho, via Coala Records.
Em Afim, disco de oito faixas produzidas pelo próprio Zé Ibarra, o talentoso artista quebra expectativas e aposta na estranheza e na complexidade, como já sinalizara o single Transe ao apresentar música autoral de aura indie-rock com ecos da MPB dissonante dos anos 1970, cordas orquestradas por Jaques Morelenbaum e efeitos sonoros, além do violão inquieto de Ibarra, multi-instrumentista e também arranjador, além de compositor.
Para quem se encantou com aquela voz que emitia notas tocadas com a alma no primeiro álbum solo do cantor, Marquês, 256. (2023), a dica é começar a audição de Afim pela quarta das oito faixas, Retrato de Maria Lúcia (2023), apaixonada canção de Ítallo França, lançada pelo autor no ano passado e regravada por Ibarra no ponto exato da melancolia introspectiva.
Com arranjo calcado nos violões de Lucas Nunes e Zé Ibarra, Retrato de Maria Lúcia é bela faixa para os devotos da MPB. Só que o álbum Afim transita por outros trilhos mais intencionalmente desalinhados – e a opção por regravar música de Maria Beraldo, Da menor importância (2018), sublinha a direção do artista em Afim. Beraldo atua em universo musical experimental.
Da menor importância ostenta os sopros do trio Copacabana Horns, formado por Diogo Gomes (trompete), Jorge Continentino (saxofone e flauta) e Marlon Sette (trombone). Os sopros conduzem a levada do samba que abre o álbum Afim, O infinito em nós, faixa que caiu em suingue singular sem seguir a tradicional cadência bonita do gênero.
O infinito em nós é composição da lavra do próprio Zé Ibarra, mas o artista se permite ser somente intérprete em cinco das oito faixas do disco, regravando músicas recentes de colegas de geração. E que intérprete, dono de voz que transita com naturalidade e expressividade entre os agudos e os graves!
Segredo – sedutora abordagem da música de Sophia Chablau, lançada pela artista há dois anos no álbum Música do esquecimento (2023) – tem o alardeado toque de jazz de Afim na pegada da banda-base do disco, formada por Alberto Continentino (baixo), Chico Lira (Fender Rhodes), Daniel Conceição (percussão e bateria), Guilherme Lírio (guitarra), Lucas Nunes (órgãos), Rodrigo Pacato (percussões) e Thomas Harres (bateria e percussão) – ou seja, um dream team de instrumentistas da nova música brasileira.
Inédita de Tom Veloso, amigo de Ibarra, Morena (Na minha cabeça) ecoa algo do som das Geraes – e cabe lembrar que a música do Clube da Esquina norteava o som da Dônica, banda que revelou os dois artistas em 2014 – e do samba-rock.
Parceria de Zé Ibarra com Dora Morelenbaum, colega do cantor na Bala Desejo, Essa confusão é faixa que reitera a opção do artista pela estranheza que pauta o álbum Afim tanto na timbragem e nos arranjos como na escolha das músicas. “Enquanto essa confusão / Não morrer enfim / Eu insisto, quero te fazer ficar afim”, canta Zé Ibarra na música que gerou o título do álbum Afim.
“Moro na toca da minha paixão pela vida / E essa musica não tem nada a ver com amor”, ressalta Zé Ibarra ao dar voz aos últimos versos de Hexagrama 28, música de Sophia Chablau cantada pela artista em shows desde 2022, mas até então nunca gravada em disco.
Contudo, é o verso inicial de Hexagrama 28, música cuja letra fala de vulnerabilidades – “Primeiro você me disse eu não sou quieto, não” – o último verso ouvido em Afim, álbum em que Zé Ibarra, inquieto, embaralha as cartas do jogo para se revelar um artista mais complexo do que fazia supor aquele sedutor cantor que arrebatou as plateias de Milton Nascimento.
Se Marquês, 256. foi álbum solo de criação solitária, feito na toca do cantor, Afim aproxima mais Zé Ibarra da própria turma e expande o som do artista enquanto expõe a união da geração do cantor.
Zé Ibarra assina a produção musical do segundo álbum solo, ‘Afim’ — Foto: Elisa Maciel / Divulgação